[PdB] A lenda da Formiga e da Cigarra

por Fernando José Braz*

Era uma vez, em um reino distante, uma cigarra que queria ser presidente. A cigarra precisava de alguma estratégia para ganhar a eleição. Astuta como ela só, combinou com uma cigarra que era juíza, a prisão da formiga barbuda. Assim, com a formiga barbuda presa, ficaria fácil de vencer a disputa.

E assim foi feito, a formiga barbuda foi presa, a cigarra astuta foi eleita, e a cigarra juíza se transformou, em um passe de mágica, em ministro da justiça daquele reino distante.

O problema foi que a cigarra astuta, de astuta não tinha nada, era na realidade uma cigarra mentirosa, era ela uma cigarra tapada. A cigarra tapada não sabia nada de economia dos animais, a cigarra tapada não sabia nada de meio ambiente, a cigarra tapada não sabia nada de educação. Enfim, a cigarra tapada não sabia de quase, só sabia era mentir.

Fora das fronteiras do reino, começaram a aparecer histórias sobre um vírus que, pelo contato, pela proximidade, contaminava a todos e a todas, fossem formigas, fossem cigarras. As corujas cientistas alertavam a partir da organização mundial da saúde, dos centros de pesquisa, das universidades, sobre o perigo que se aproximava. Era preciso se preparar, era preciso se organizar para enfrentar o que se aproximava.

As formigas dos diversos reinos, preocupadas com o caos que se aproximava trataram de se organizar e conquistar os insumos necessários para a sua sobrevivência. Ao mesmo tempo, a cigarra, faceira e serelepe, dançava e cantava ignorando o perigo que se aproximava. Aproveitou a cigarra presidente para brigar com a cigarra juíza e mais algumas cigarras graúdas daquele reino, afinal a cigarra presidente não sabe de nada, só sabe mentir.

A cigarra ficou amiga da cigarra topetuda do reino do norte. A cigarra topetuda também era uma cigarra astuta, era uma verdadeira “smart” cigarra.

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O reino da cigarra começava a se desintegrar. A cigarra tinha filhos, todos eles iguais, deve ser por isso que a cigarra os nomeou como “zero-um”, “zero-dois”, “zero-três”, afinal de contas a cigarra só sabia contar até três. A cigarra não era astuta, a cigarra era tapada. Um dos filhos da cigarra tapada tentou trabalhar no reino do norte, pertinho da cigarra topetuda, mas não deu certo pois também a cigarra filho era uma cigarra tapada.

Um dos filhos da cigarra resolveu comprar um castelo na capital do reino. Ele não tinha dinheiro, mas tinha bastante chocolate. Um pouco mais astuto que a cigarra pai, a cigarra filho conhecia uma cigarra que vendia laranjas. Pronto, a cigarra filho deu os chocolates pra cigarra amiga, que trocou por laranjas, que depois trocou por alguns carros usados e, finalmente, depois de muito trabalho, os vendeu e conseguiu o dinheiro para que a cigarra filho comprasse o castelo. O reino todo ficou desconfiado…

Passava o tempo e a pandemia invadia velozmente o reino, contaminando todos e todas. “Isso é no máximo uma gripezinha” cantava a cigarra, empunhando a sua inseparável caixa de cloroquina. A formiguinha da OMS teimava em aconselhar a cigarra a aderir ao consórcio mundial para a aquisição da vacina para todas as formigas e cigarras do reino. Mas a cigarra resolveu aderir ao piso mínimo de aquisição, trocou a opção de imunizar 50% do reino pela opção de imunizar 10%.

“Pelo meu histórico de atleta, blá, blá, blá…” insistia a cigarra, que agora recebia no seu reino, já entupido de coloroquina, mais um grande lote que veio lá do reino da cigarra topetuda do norte, o exército do reino agora estava pronto para entrar na batalha, armados de cloroquina até os dentes.

Novamente as formiguinhas do resto do planeta ofereceram mais 70 milhões de doses (lá na metade do ano) para o reino da cigarra. “Vacina da China eu, a cigarra presidente, não vou comprar”. A cigarra não era astuta, era uma cigarra tapada.

Um belo dia, depois de mais de 300.000 mortos no reino das cigarras e das formigas, a cigarra juíza, que já foi cigarra ministra, foi declarada pelo supremo tribunal do reino como suspeita nos processos que condenaram a formiga barbuda. Agora a formiga barbuda poderia candidatar-se para a eleição do reino. Naquele dia, na capital do reino, a cigarra tapada até colocou máscara, elogiou as vacinas, falou do distanciamento, até parecia que a cigarra tapada tinha mudado.

Mas não, a cigarra continuava tapada e agora mais raivosa do que nunca, pois as formigas perderam a paciência e resolveram aprovar uma investigação sobre o descontrole, sobre o descaso, sobre a omissão e sobre a responsabilidade das cigarras palacianas durante a pandemia. Até um dos filhos da cigarra presidente ficou preocupado com a investigação, mas a preocupação (segundo ele) era somente com o risco de contaminação que as reuniões da investigação poderiam causar. As cigarras tapadas pensam que as formigas também são formigas tapadas. As cigarras tapadas estão enganadas, as cigarras tapadas estão apavoradas, as cigarras tapadas começaram a brigar.

Vamos aqui, precavidos, acompanhar o que acontece neste reino distante das formigas e cigarras.

*Fernando José Braz é Doutor em Ciências da Computação pela Universidade Ca Foscari (Itália) e atualmente é Coordenador Geral da Seção SINASEFE Litoral.

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