Janaína Zanchin: ‘nossas conquistas não vieram de benevolência de ninguém, vieram da luta’ [EDUC>ação]

A edição de março de 2018 do boletim informativo EDUC>ação traz como tema principal os desafios e as desigualdades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho no país. Fortalecidos, ainda, por medidas como as reformas trabalhista e da previdência, com potencial ainda mais destrutivo para elas.

Na entrevista feita com a Coordenadora Geral da Seção IFSC do SINASEFE e da Direção Nacional da entidade, além de Psicóloga e Técnica-Administrativa em Educação no IFSC, Janaína Zanchin, abordamos temas relacionados às lutas das mulheres diante destas reformas.

EDUC>ação: A reforma da previdência foi ao menos momentaneamente descartada, mas as mulheres já viram seus direitos diminuírem com a reforma trabalhista. Como é possível se opor para barrar projetos como estes?

Janaína Zanchin (JZ): Na verdade essa não é uma questão simples, já que esses projetos são muito complicados de se barrar, mas a própria reforma da previdência nos dá uma ideia do que a gente tem como possibilidade. A mobilização das pessoas é que pode barrar qualquer coisa. A gente tem muito a ideia de que os processos eleitorais vão resolver, e que tem que esperar a eleição, mas isso é uma falácia, que ilude como uma solução simples, de que “eu espero as eleições em outubro, vou, voto, e tudo estará resolvido”. E, na verdade, não. Na verdade o que barrou a reforma da previdência foi justamente a pressão popular. Por que a reforma não foi levada a votação neste momento? Porque havia um entendimento dos políticos em Brasília de que seria uma pauta que traria para eles um problema muito grande, ficar atrelado como ‘o cara que votou contra a população’. Essa capacidade de mobilização que a gente teve ao longo de 2017 e que já começamos em 2018 fez com que pensassem “opa, a população não concorda com isso, se nós encaminharmos essa votação agora a gente vai ter uma situação muito complicada no período eleitoral”. Não porque fomos lá votar, mas porque havia mobilização nas ruas. É a mobilização, a articulação politica, que vai barrar retrocessos contra os direitos dos trabalhadores. Seja no âmbito da reforma da previdência, trabalhista ou qualquer outra.

Em relação à reforma trabalhista, é importante destacar que são vários ataques que estamos tendo com a sua implementação no país. É muito triste o que acontece não só com as mulheres, com mulheres e homens nesse aspecto, porque ataca de frente garantias e direitos que a gente tinha há muitos anos. Ao invés de avançar as garantias e direitos, como a gente vê em outros países, por exemplo na expansão da licença maternidade das mulheres, ou no direito a horários flexibilizados para amamentação, na compreensão da importância do papel da mulher-mãe, a gente vê retrocessos. É uma questão bem complicada, que atinge homens e mulheres, mas que para as mulheres acaba sempre como mais uma sobrecarga, complica ainda mais a vida das mulheres.

EDUC>ação: Desde o início do governo Temer é comum se ouvir dizer que se está regredindo em pautas como dos direitos das mulheres, em questões ligadas aos Direitos Humanos e das diversas “minorias” políticas. Olhando para o futuro, como você mensura o impacto do governo Temer nessas demandas?

É importante deixar claro que essa “regressão”, como colocado, não é apenas do governo Temer, mas de vários governos. A gente teve a promulgação da Constituição “Cidadã”, que garante vários direitos, mas a gente já tem discussões acerca de questões relevantes dos Direitos Humanos em pauta há muitos anos que não avançam. Não é um governo, são vários.

A questão do aborto, em relação às mulheres, por exemplo. Hoje as mulheres abortam e abortam da forma que dá! A mulher pobre morre numa situação de aborto porque não tem condição de pagar o que uma mulher rica pode, faz um procedimento inseguro, mas aborta.

Em outra pauta, não necessariamente ligada às mulheres, mas que também as atinge, como a legalização do uso da maconha: vários países tem avançado na regulação, o Estado ganha dinheiro com isso, descriminaliza uma parcela relevante da população, que não se beneficia do mercado, que é usuária. Não se resolve o problema da criminalidade com a criminalização do consumo, antes pelo contrário, então é preciso pensar alternativas pra isso.

Há ainda as questões da população LGBT, também bastante complexas. Nós já tivemos várias tentativas, em diversos governos, de aprovar pautas que avancem na garantia dos direitos destas populações. A quantidade de pessoas trans assassinadas no nosso país ainda é extremamente alta por que não temos diversas garantias.

Então, o que gostaria de deixar claro é que a gente tem hoje, sim, um recrudescimento em relação às garantias de direitos das minorias, mulheres, LGBTs, usuários de drogas, mas não é uma questão do governo Temer, é uma questão da nossa sociedade que vem se intensificando. Da mesma forma que é importante a gente se mobilizar na questão da reforma da previdência, da reforma trabalhista já implantada, das perdas que a gente teve no governo Temer, temos que ter a clareza que já não vivíamos em um mundo ideal até o momento em que Temer assume a presidência, que já vivíamos em um Brasil onde a situação não era fácil para esses grupos.

EDUC>ação: O mês de março é de celebração e de resistência das mulheres, qual a importância da participação feminina – e também masculina, em eventos que debatam estas temáticas?

Se não for através da mobilização não se conquista nada, né? Na última Plenária Nacional do SINASEFE, que aconteceu em Brasília entre os dias 23 e 25 de fevereiro, a gente discutia exatamente isso. No debate de conjuntura esse era um ponto que eu e outros companheiros apresentamos, da importância da gente se mobilizar, que as conquistas não vem até nós porque há uma benevolência de alguém. As conquistas vieram através de lutas.

O voto feminino conquistado no Brasil e em outros lugares do mundo veio através das lutas das mulheres, a garantia de direitos trabalhistas, a redução da jornada de trabalho de 14 horas ou de 12 horas diárias para as jornadas que nós temos hoje – ou ao menos tínhamos até a implementação da reforma trabalhista-, mas a jornada de trabalho em geral no mundo, veio através da luta dos trabalhadores. O estabelecimento de parâmetros mínimos de Saúde do Trabalhador também vieram através da luta, a necessidade da licença-maternidade para as mulheres cuidarem dos filhos, o reconhecimento de que a mulher precisa de uma aposentadoria diferenciada já que a gente não consegue atingir direitos iguais de fato, também vem das lutas.

Então é muito importante que a gente possa fazer um debate teórico que compreenda de onde vem estas conquistas, mas também participe da mobilização e das atividades que vão acontecer na semana do 8 de março, em que a gente tem essa data reconhecida mundialmente e o movimento do 8M estabelecido mundialmente e no Brasil. Isso está organizado em diversas cidades, a gente vai ter uma série de atividades preparatórias para o 8M e, no dia 8 de março, um dia de Greve, de paralisação das mulheres, em que elas param seu trabalho para se organizar e fazer suas atividades.

Também um dia em que os homens parem, mas parem contribuindo com o cuidado das crianças, com a organização das atividades, para que as mulheres possam estar na luta e para que eles também possam participar das atividades de rua, demonstrando que o mundo precisa ser mais igual entre homens e mulheres. Que se hoje ele ainda não é, ainda está muito distante, nós precisamos tentar nos aproximar cada dia mais de um mundo mais igual, onde homens e mulheres sejam tratados e respeitados da mesma maneira.

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